terça-feira, janeiro 20, 2009

Registros

A minha escrita nasceu de duas vertentes distintas e opostas.
Uma delas, a mais bela, das cartas de amor...
A primeira escrita em primeira pessoa foram poucas palavras que não conseguiam dizer muito, porque nem eu me entendia àquela época – como ainda nem sempre entendo-me agora – mas tinham a pungente necessidade de registrar aquilo que sempre me pareceu sobrenatural: as emoções humanas, as sensações e os sentimentos de atração pelo outro, elemento motor do afeto, combustível do psiquismo.
A outra vertente veio tão logo descobri que tinha a capacidade incompreensível, ao menos pra mim, de esquecer completa e muito rapidamente o mal que me fizeram.
De tanto não entender como depois de uns dias passava pela rua por uma pessoa de quem algo me dizia que deveria odiar e eu sorria, por já não lembrar mais o porquê, decidi escrever.
Era assim que, ainda sob a umidade das lágrimas, registrava o cenário, o contexto, a data, descrevia a expressão, os gestos e o máximo que eu conseguisse lembrar das palavras e do diálogo da cena da discódia.
Feito isto, só então registrava em última linha como me sentia e o meu parecer final ao dossiê. Era algo como:
"Estou muito triste diante disso tudo.
Decidi que não devo mais permitir que haja qualquer aproximação entre nós."
E quando batia a dúvida, assim como as cópias das cartas guardadas, eu relia.
É, mas o tempo passa... E a gente vai estudar no Cefet, esquece o que nossa mãe ensinou sobre não pegar caronas. Vai pra internet, esquece que não se deve falar com estranhos... Esquecemos até nossas próprias regras de sobrevivência!
Era época diferente. Escrevia-se pra declarar, revelar, noticiar. Como quando foram feitos os primeiros perfis do orkut, de gente, com seus pecados e ações de graça.
Hoje em dia a escrita se especializou em ocultar. Vide a explosão de evasivas e fakes, cadeados, restrições e afins. Foi-se o tempo em que as palavras expressavam sentimentos. É chegado o tempo em que os sentimentos não expressam quase nada.
Hoje lembrei que faz tempo que não escrevo uma carta...
Faz tempo também que não relato uma briga.
A vida vai ficando cada vez mais cheia que parece cada vez mais vazia.


Eu era muito feliz e embora ande perdendo memória faça já uns anos, diferente de agora aonde tudo se deleta num piscar de olhos...
Ah, eu sabia!


Snow. Flake, flake...

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Aurora

Apenas a escuridão a absorve.
Vagueia pelo caminho das árvores e colinas cheias de mistérios procurando por algo vivo, enquanto é tempo.
Nada mais além de andar como se de olhos fechados aonde o calor vem do sague que jorra por entre os lábios. E alimenta...
Sente sede e fome. O mais, há muito que esqueceu o gosto.
Já não sabe o quanto de humana carrega ainda desde a última vez que se viu num espelho. Está fria, faz tempo que já não reflete.
E enquanto os dentes roçam a carne ávida por ser devorada ela crava, sorvendo o que pra muitos deve ser vida.
Uma eternidade se passou desde que fora criada. Já não faz mais aniversário. Pouco importa se haverá lua, chuva, frio, calor, nuvem, estrelas... O único tempo que existe é a madrugada.
Se esconde da luz, foge da cruz, já não tem alma.
(Não entende porque ainda chora.)
Gosta do mar, da areia, do vento... Mas sua pele sensível se incineraria ao sol, numa praia.
Não respira, não cresce, não gera, sequer morre...
É assim que vive.
Só vive enquanto está escuro, só existe se anoitece...

E nos demais dias ela dorme.


Snow, shadows.

terça-feira, janeiro 06, 2009

Rechargeable Mosquito-hitting Swatter

Comprei uma raquete elétrica inseticida, dessas que os camelôs de todo o Brasil, imagino, resolveram importar de Taiwan ou de algum outro país que escreva em ideográficos.
Já havia experimentado uma vez e vi que a eficácia é realmente surpreendente, pois como consegue produzir uma tensão de saída de 2500V, o mosquito, ao encontrá-la, deixa apenas um cheiro de churrasco carbonizado no ar.
É certo que também dá uns choques na pele, se está ligada e encontra uma parte do corpo desprotegida. - Achei essa parte perigosíssimo para as crianças, embora pense que se na infância tivesse tido a felicidade de encontrar tal brinquedo, como não seriam mais radiantes as minhas tardes quando eu teria sido a mais invencível caçadora de mosquitos da galáxia!
Mas o que me motivou agora a adquiri-la foi mesmo esse verão que chegou com as suas peculiaridades da estação e que trouxe coisas que nunca tinha visto de tão perto quando ainda havia pessoas ao meu redor pela casa cuidando das coisas que eu nem notava.
Desta vez, os mosquitos vieram junto com o calor, de modo que já não posso abrir as janelas ou a porta sem ser obrigada a usar algum tipo de combate/proteção.
O ventilador existe, mas está ali no canto, na caixa ainda. Aguardando por ser instalado pelo filho do dono da casa e me lembrando com a sua impossibilidade que a casa não é exatamente minha. Nada é exatamente nosso – algum deus ou demônio já nos deve ter feito crer nisto. Mas, como esquecemos nossas crenças por algum hábito, um ou outro sempre arranja algum jeito material de nos lembrar.
Inseticidas também são muitos. Espalhados pela casa aos litros, em cada cômodo, dado o incômodo que me causam estes pequeninos seres, por vezes, invisíveis. Mas acontece que dei pra ter alergia aos que não são à base de água... E os que dizem que não têm cheiro também não me cheiram nada bem. Tentei aqueles que produzem fumaça, mas minhas roupas fedendo a incêndio no dia seguinte não compensaram não ter amanhecido toda cheia de picadas. Sem contar que a palhaçada toda não mata, só espanta os insetos que rapidamente se recolhem a guarda-roupas, gavetas e armários pra voltarem com mais fome mais tarde... Tudo fumaça.
Quando pequena, lembro de uma vez em que minha mãe comprou um desses que emitem um som inaudível aos humanos, mas que incomodam aos mosquitos, desses que são presos à tomada e a gente só troca o refil. Porém, não deu certo por dois motivos: a manutenção cara e amplitude de ação baixa. Dessa maneira, se era ligado no nosso quarto, os mosquitos atormentavam quem estivesse na sala além do que, essa exigência de sempre mais aparelhos e mais refis foi auto-eliminatória da tática.
Repelente é completamente desaconselhável pra ser usado no calor de quem prefere hidratante, mesmo os à base de água. Sem contar que o contato com os olhos que eles mandam evitar, é, por vezes, inevitável.
Por tudo isso a raquete veio bem a calhar. Exceto por um detalhe:
O momento do encontro do corpo com a tela eletrificada rompendo a rigidez dielétrica do ar produz um barulho, um tipo de “plackt” súbito, que me assusta e me vejo instantaneamente jogando tudo pra cima, ou deixando cair, ou gritando assustada, e sempre uma dessas três reações, de modo que ainda não consegui acostumar.
Tem algo a ver com a visão do poder fatal do objeto que mata.
A primeira vez que tive contato com essa sensação foi aos cinco ou seis anos, quando senti o peso da arma de meu pai, militar, voltando pra casa depois de um dia de trabalho. Aquele “deixe isso aí” determinado me fez sentir mais que o peso de uma taurus, trinta e oito, carregada. E eu deixei mesmo lá.
Há em minha cozinha um jogo de quatro facas que, por não cozinhar em grandes quantidades, mantenho na caixa ainda lacradas. Mas ontem um técnico esteve aqui pra consertar a geladeira... Foi a primeira vez que alguém estranho entrava em minha casa. E, por alguma estranha razão, eu me lembrei de guardá-las.
Os golpes fatais do Goshin também me despertam ao mesmo tempo a necessidade de aprender a neutralizar, ou atenuar. Embora no fundo eu saiba que... Pois é, tem certas coisas que a gente sabe que não dá pra ensinar.
Então a raquete está ali, do lado direito da cama, encima do criado que não fala nada, como uma bala engatilhada esperando vitimar...
Um mosquito, sabe? Uma coisinha de nada insignificante mesmo, que não fará falta alguma à natureza e cuja existência pode trazer uma série de transtornos à raça humana e contra a qual eu possuo o porte de uma, com toda a minha imodéstia infantil, poderosíssima e infalível arma...

Mas eu tenho medo de matar.


Snow. às moscas.