quinta-feira, outubro 05, 2006

Nõmade - (02/08/05)

Nômade


Sabe aquela época em que o ser humano vivia andando pelo mundo há muito tempo atrás...? Eu queria ter nascido a esta época.
Tivesse um pouquinho mais de coragem, iria embora. Viveria indo embora. Ou, pelo menos, iria embora a cada vez que algo me desagradasse.
Começaria indo embora da escola, do trabalho, da família, das pessoas, dos amores, da net, do mundo e, iria assim, indo embora de tudo até poder ir embora de mim...
E iria sempre subitamente, coisa que, com mais coragem ainda, dá pra fazer. Quem vai aos pouquinhos, acaba ficando mais do que indo.
Já voltar, como posso já ter dito em algum outro escrito, não é meu verbo preferido. Ainda assim, vez por outra, voltaria, só pra ver como as coisas estão, como ficaram ou pra onde parece que vão sem mim já que, tudo anda, tudo caminha, tudo muda, sempre.
Ficar é uma palavra triste nessa visão. Lembra os encontros modais de festas com aquele gôsto de doce arrancado da boca. Gôsto de coisas incompletas. Lembra coisas paradas como troncos na beira da estrada. E pede complemento... Ficar até quando...? Ficar requer prazo. E expira. Ficar, não leva ninguém a nada.
Ir, não se sabe. Só indo pra ver.
Tenho ido embora. Minha vida é um constante ir, em particípio e gerúndio e isso também, já devo ter dito mas, apesar disso, não é um ir como eu idealizo.
Queria ir embora sempre que quisesse ir. De vontade própria, entende? Decidir e ir. E, isso é muito diferente da situação em que seus pais se mudam e você “vai” junto. Muito diferente de quando a empresa te transfere de cidade ou de quando te mudam de escola. Ir embora é outra escola.
Deveria ter até faculdade: Escola Superior de Ir Embora. Com exercícios, carga horária (móvel, claro), conteúdo, formatura, etc... Talvez faltasse quem quisesse, depois de tudo, pegar o canudo, mais tudo bem, está sempre sujeito à reprovação aquele que vai embora. A arte de ir embora requer muita Disciplina.
Não se pode deixar coisas importantes no lugar de onde se pretende ir. Objetos, pedaços, coisas incompletas... Isso seria abandono de curso e não partida pela porta da frente. Ir embora requer cabeça erguida. Tudo deve acabar no momento da partida. Assim como se vai embora da vida...
Também não se deve levar mais coisas que o necessário e, quando se pretende realmente ir, não é necessário quase nada. Pesa, sabe? Ir embora requer leveza...
Lágrimas sim, algumas. Com o tempo o vento as seca, a luta transforma em suor, o amor, em sangue e o tempo as faz tornarem ao pó, em mais uma de suas idas. Ir, faz parte da vida.
O ser humano é um animal que nasce, cresce, pode ser que se reproduza, vai embora e morre. É biológico, é genético. Quem nunca foi embora...? Quem nunca quis ir...? O estar preso é a ilusão que a gente alimenta pra conseguir subsídios pra continuar sonhando com o dia em que se possa, finalmente, ir embora, quando quisermos ir.
Acho que, se todos soubessem que podiam ir quando quisessem, a vida, seria muito mais espontânea, as partidas, muito menos dolorosas e, talvez até, muitos de nós quiséssemos nos demorar um pouco mais só pra curtir a breve estadia...

Snow, numa pausa pra contar caracteres...


Onde paramos?


Ah, sim, olhando dessa maneira, um ponto de ônibus, um avião, um terminal rodoviário, passariam, de meros entrepostos a fascinantes pontos de descoberta da vida. Viveria-se andando e andar-se-ia vivendo.

“Pra onde está indo, senhorita?”
Sorri. Que importava? (Chegar ao destino final é o fim e, o fim, não é mais importante que o caminho. Mas não daria pra explicar àquela hora tudo isto pra aquele guardador de malas, que deveria ter uns 20 anos naquela função, na rodoviária daquela cidadezinha lá longe por onde passei um dia.) Continuei andando, desejei que meu semblante explicasse.
Andei até os guichês, compre a passagem pro horário mais próximo, fui embora dali.


Ah, como eu queria sempre poder fazer assim...! Nossa, deve ser emocionante ir embora de navio...! Passar um longo tempo indo... Ir embora de avião... ir de trem... Sair andando, pegar carona... Fechar a casa, pegar um guia rodoviário, entrar no carro e ir... Como eu disse, é preciso coragem.
E é uma pena que eu tenha limitado algumas fases da minha coragem a escrever estas frases aqui... é uma pena.
Já vou.

Snow, a 4234 caracteres.

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