quinta-feira, novembro 27, 2008

Olho do furação

Alguma coisa na minha noção de tempo sutilmente mudou.
Passou-se o tempo em que achava que tinha que correr. E já corri tanto... e vejo que em muito pouco adiantou e que eu não cheguei à frente do que poderia ter chegado se tivesse tido um pouco mais de calma.
Sabe quando você tem a lucidez de compreender que daqui a 24 horas será um novo dia e o Sol nascerá novamente e tudo o que puder acontecer terá acontecido se precisar acontecer...? É assim.
Dessa forma o tempo dói bem menos.
Eu me sinto mais jovem agora do que a impressão que tinha há 10 anos quando achava que tinha ainda muito que fazer e tinha um terrível medo que não desse certo, que não desse tempo, que não conseguisse, enfim, resolver.
Imagino que alguém que não me conhece bem pense que estou falando de felicidade. E que alguém que me conheça pense que estou falando de amor. Mas me refiro a algo que considero o contrário: a calmaria.
Mas ou menos como dizem que é a paz que se sente e que é antecedente do ato final de morrer. A tranqüilidade que só a fatalidade traz.
O mundo continua caindo ao meu redor, sabe? Tive um desconto esse mês no meu $ que acho até que vou passar fome! Rs. Calma. Não é uma fome como a fome é realmente. É uma fome moderna. Diferente dos tempos de antigamente em que já fui muito pobre e as coisas já foram muito piores.
Mas eu prefiro a fome ao frio.
E se existir mesmo o inferno, imagino que seja um lugar gelado. Sem edredom nem companhia e... um pouco mais severo do que foi o meu último inverno.
Por falar em tempo ruim, um dos invernos mais rigoroso de minha vida foi lá pelos meados de 93, quando minha avó mudou-se para o interior e levou minha irmã e eu fiquei morando com minha mãe e padrasto...
Nessa época eu conheci um lindo rapaz que morava numa rua vizinha e que ficou desempregado. E deu pra vender as coisas que tinha em casa. Jogava no bingo e parecia que nunca ganhava. Vendeu tudo. Por ultimo um botijãozinho com uma boca de fogão em cima que ofereceu lá em casa. Mas não compramos. Porque também não tínhamos.
Uma vez, de tanto insistir, permiti que me desse um beijo no rosto. Mas a sensação da língua quente em minha pele e um turbilhão vertiginoso de sensações incontinentes e incompreensíveis me fez afastá-lo com um empurrão... E um tapa.
Depois foi dado como morto e só veio a reaparecer quase um ano mais tarde, mais magro e ainda vendendo coisas. Só que dessa vez, já também roubava.
Ele ainda me pediu outras tantas vezes em namoro, porém aos 15, tenho que reconhecer que a inocência me salvou do que, não fosse, eu teria sido facilmente predada...
Pelo mesmo monstro que fez com que seu corpo aparecesse meses depois, cravado de balas, num lugar chamado Saramandaia...
Nesse tempo a vida foi um temporal imenso.
O mundo perde um pouco da beleza quando a gente enxerga as coisas com menos fé, como menos emoção, é verdade. Não deve haver progresso sem prejuízo da arte. E não há melhoras sem que uma série de pioras cresça em torno das coisas novas. Assim pensava Nietzsche.
Nunca esteve tão distante o colorido da vida. Mas nunca isso doeu tão pouco.
O tempo trouxe a certeza de que o tempo continuará passando. Até que se acabe o meu tempo.
Aliás, o tempo como percebemos só existe mesmo dentro da cultura humana. Não é um elemento puro, natural. O Sol não tem pressa pela pontualidade de chegar ao trabalho. Ele apenas vem. Vai... E nós o acompanhamos. Da mesma forma como a lua, as estações do ano.
O meu Samsung mobile que ganhei da última visita de minha irmã ao Brasil veio com um joguinho que gostei muito: Paris Hilton’s Diamond Quest. É uma mistura de Tetris com Jogo da Memória, só que mais colorida e dividida em puzzles com algumas premiações. Mas a versão free só permite que eu jogue 57 segundos dos 3 minutos que são o default para cada fase.
Já tentei comprar a versão full diversas vezes, mas parece que eles entendem que os meus Reais não são Pounds e meu pedido é sempre negado.
Mesmo assim eu jogo. Sempre. E, às vezes, pelo cansaço da máquina ou por uma velocidade de pensamento excepcionalmente viciado ou ajudada pela sorte, eu até venço.
Já joguei quase 40 horas dividas em tempos impreterivelmente cortados automaticamente aos 57 segundos e, como as fases vão ficando cada vez mais difíceis, calculei que é mecanicamente impossível que eu continue avançando de fase.
Desse tempo todo que brinco, quase sempre madrugadas insones ou caminhos de ônibus, aprendi que este jogo não tem nada, absolutamente nada o que ensinar pra humanidade. Mas apesar disto, uma vez eu fui tão bem numa partida que apareceu a personagem da Paris me dizendo algo que traduzi como: “Você é tão rápida que merecia uma multa por excesso de velocidade!”.
Não pude evitar o riso.
Não é porque algo não se propõe a ensinar que não se poderá com ele aprender. E mesmo esse meu passatempo inútil me disse com a acuidade de um sábio que não há como impedir, e não importa o que você faça, se jogou bem ou teve azar, se está ganhando ou perdendo, num certo momento... o tempo acaba.
E assim, daqui a mais 15 serão 45. depois 60, 75... quem sabe, 90! Ou talvez alguns dias mais, horas, min.! Rs. Quem sabe...?
Estou vivendo um dia de cada vez. E sempre que lúcida, com bastante calma.
As coisas que até aqui dei valor nessa vida, como o mar, o nascer da lua, o pôr-do-sol, os amigos, os humanos, o amor... elas não sofrem assim tanta influência nossa como as vezes sentimos.
Algumas vão continuar acontecendo sempre como sempre aconteceram. E outras, o acontecimento ou manutenção dependerá muito menos de quaisquer de nossas ações que dos ventos aleatórios do acaso.

Com o tempo a dor que fica é saber que cada vez mais a soma dos acontecimentos dói cada vez menos.


Snow, aos 30, depois de anos e anos.

P.S. Enquanto eu escrevia este, emprestei o celular pro meu sobrinho brincar. Ele, sem querer, deletou a Paris.

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