quarta-feira, dezembro 03, 2008

A minha Rolley-flex...

Queria ter fotos.
É. Essa coisa simples que a gente simplesmente deleta agora na era dos cartões de memória e que gosto tanto...
São provas, sabe? São quase fatos. São lembranças, são o momento congelado, a recordação...
Lembro-me que quando criança me olhava muito no espelho e principalmente quando chorava. Precisava ter um espelho pra abrir os olhos vez em quando e ver como ele me dizia que era, e não como me sentia de olhos fechados, já que a imagem que tinha de mim no escuro não podia ser fotografada - porque ninguém acreditaria ser minha... Então tentava o contrário. Usava o espelho pra acreditar que existia alguém diferente do que eu imaginava.
Ainda me olho muito no espelho. Alem da vaidade feminina, pra não perder o referencial. Senão o rosto que tenho é gradualmente sobreposto pelo resto do que sinto. Que penso que sinto.
Li uma vez numa página avulsa de um livro que um amigo lia que havia num certo lugar certos monges cuja ordem não permitia que vissem um espelho. Estes monges permaneciam por toda a vida sem nunca conhecer o que os outros sabiam dos seus próprios rostos. O objetivo da doutrina era que nunca precisassem confrontar seu eu imaginado (alma) com o eu físico (corpo).
É claro que parece uma grande utopia e não funcionaria comigo, mesmo que eu fosse uma monja enfim, porque tenho sempre um espelho comigo. Eu que me aproximo de tudo o que me reflete quase que como vicio. Dessa forma janela de carro, vidro, monitor desligado, maçaneta de porta, tampa de panela, verso de CD/DVD ou qualquer outra superfície polida me atraem como água. Poça d’água, no caso. Mas o modo de vida dos monges do livro, achei bonito.
Só não trocaria pro ter fotos.
Em especial dos lugares que queria ter ido, dos sorrisos que queria ter tido, das sensações que queria ter vivido...
Tenho cicatrizes, marcas, sulcos que margeiam o caminho percorrido por lágrimas. Isto não prova nada, sequer registra.
Deve ter havido coisas boas, é verdade. Coisas que só eu vi de olhos fechados. Mas que não eram o que o espelho me dizia.
Lembro de resmungos, reclamações, descontentamentos, vontade de não estar ali, ou de que não fosse eu quem estivesse... Lembro de ter ouvido gritos.
Lembro de frustrações inquestionáveis, de mal-estar, choro, estupidez... mal humor, grosserias, cenas tão nítidas...
Ele até que se esforçou pra fazer bem feito. Lembro do esforço - pra isto sempre há de haver em mim espelhos. Já as fotos, que contrastariam com as imagens que só eu tenho dele... elas não existem.

Nem ele.


Snow, janeiro de 2006.

P.S.
Esse texto tem quase três anos. Reli muitas vezes desde que foi pro papel e muitas vezes antes também. Em todas as releituras foi reprovado.
Dava um intenso mal-estar saber que ainda existia inédito por ser impublicável. Carregando cada vez mais o fardo insustentável do fracasso.
Nesse espaço de tempo em que vi todos os amigos, conhecidos e afins comprar câmeras, filmadoras, celulares e toda sorte de tecnologia retratável - foi-se o tempo da Polaroyd - , me sentia cada vez mais distante. Tanto que sequer tive coragem de pedir emprestada deles pra "dar uma volta".
O peso sobre as pálpebras vinha da certeza de que não podia dar prioridade a isso em detrimento de... nada! Porque não conseguiria construir nenhum argumento justificável.
Toda dor vem do que não se justifica, sabe? É. Dói o que não tem porquê, ou não parece ter.
O que não pode ser entendido, aceito, elaborado. A partir do momento em que há símbolos que respaldem, a dor já não alcança mais a alma.
E o texto também doía...
Há alguns dias me inquietava por já poder vir ao mundo consciente e por um motivo bem pequeno e simples: 8.3 mega pixels, eu agora tenho uma câmera.
Sei que ainda vai demorar um tempão pra conseguir ter fotos que façam algum sentido, que expressem algo além do meu vislumbre pela imagem que quase sempre não é a que meu espelho interior me mostra e, talvez demore muito mais pra eu visitar os cenários e estar com ilustres companhias fotografáveis, mas agora o problema deixou de ser bytes, entende?
Não? Ok.
Depois teremos fotos melhores.

P.S. 1.
Tirei recentemente uma foto só pra saber que existiu...
Mas é dessas que não se pode revelar.


SnowFlake

Nenhum comentário: