domingo, fevereiro 15, 2009

Encantos e Axé



Aterrissei bem no meio da Lavagem de Itapuã depois de pegar um ônibus errado.
Aliás, o ônibus nem era errado, apenas eu que errei em não saber que naquele dia não deveria ter feito aquele caminho.
Porém já tava ali e não iria voltar, resolvi seguir. Melhor, ir de encontro a, já que teria q andar no sentido contrário ao cortejo. Até aí tudo bem, só não imaginava era que o caminho demoraria um hora e meia do lugar aonde o ônibus retornou até o próximo ponto! Normal, já tô aqui mesmo, bora lá!
Comprei logo uma florzinha dessas que todo mudo resolveu usar pra enfeitar a cabeça. Já que era pra ir, o jeito era entrar no clima.
Andar pelo meio da pista sem tráfego de veículos foi uma experiência que nunca imaginei ter. Ainda mais com a rua assim, meio vazia, meio cheia, meio enfeitada, meio seca... Como devem ter sido todas as festas antes que soubesse que eram assim.
SAMU, bombeiros, salva-vidas, posto médico, PM, foi só o deu pra ver no inicio. “Normal, sempre me falaram tão mal dessa festa que a mínima violência que imaginei que rolaria foi o esquartejamento”. - Pensava ao me desviar dos primeiros quase-bêbados.
“Tira essa calça, mãe, vá! Tire essa calça, mainha!” - Claro q não olhei pra cara do cidadão, mas que deu vontade de obedecer, cá pra nós, segredo! Não pelo pedido pouco sutil, mas pelo sol de lascar na minha cabeça e eu com aquela calça-armadura-comprada-pra-guerra que mais parece uma fortaleza... Mas decidi não fazer como os italianos no aeroporto da Bahia. E olha que eu realmente tava na praia!
Me distraí um pouco com o Malê Debalê... Não tenho dúvida alguma que o coração da minha alma bate no ritmo dos tambores de percussão. E o meu corpo acompanha como pode. Minha almazinha retumbante, tirando o pé do chão.
Linda a coreografia dos adolescentes! Me arrepiei com os menininhos em fila do projeto social deles... Educar é preciso.
Vi um cara fazendo chapéus de palha e parei pra comprar uma esperança... Dois reais a coisinha verde que vim protegendo de tudo e de todos todo o resto do caminho como a um amuleto... Esperança cor-de-capim breve vai ficar cor-de-folha-seca... Breve será como um gafanhoto daninho e só eu saberei q já foi uma linda coisa da natureza, cor-de-verde-vida.
Esperança pra curar o medo.
Uma curiosidade foi o bloco “Somos Iguais”, o único que percebi com cordas. Corda pra quê se não tinha gente o suficiente pra misturar?! Será porque só somos iguais por dentro?!... Não sei, não bateu, não entendi.
Aliás, vontade insandescida de tomar uma latinha! Mas precisava segurar a onda. Tava sozinha, numa situação nova e precisava chegar do outro lado e viva. Resisti.
“As Donzelas “ era o nome de um caminhão enfeitado de palhas com dois homens vestidos de baby-doll vendendo churrasco em cima. Uma delas tinha um parzão de coxas tão desinibidas que me peguei pensando na carne... (Me senti uma verdadeira bicha.)
Aqui tudo é tão mar e tão festa que muitas vezes as duas coisas acontecem misturadas. Era o caso. Gringas desfilando de biquíni ou de blusinha transparente de sol e aqueles chapeuzinhos coloridos, que já é quase uma epidemia, e nativas costas-nuas e shortinhos enfiados característicos. Tudo muito bronze, muito dendê, muito “viva a putaria!”.
Pouca gente na praia, digo, na areia e na água. Na rua, muitas senhoras vestidas de baianas com seus jarros de água-de-cheiro e flores cantando hinos tradicionais, hinos sagrados, hinos de outros carnavais... Deu vontade de acompanhar muitas vezes. Deu vontade demais...
Mas meu ponto ficava a dois quilômetros ainda, em sentido contrário.
Mas a diante, uns 30 a 35 negões muito bem em forma, todos de sunga, com atabaques, timbais e pandeiros faziam uma roda de samba num som muito massa. Vontade de contratá-los pra um show lá em casa... Ai, ai! Um só já bastava! Só os vi de costas. Ia dizer q não deixaram nada a desejar, mas... deixaram. Ah, como deixaram!...
Outros elogiaram meu cabelo, tentaram me seguir, me chamaram de magrela, sorriram pra mim...

Gostei. Gostei de estar de tênis e não de salto. De ter tomado minha latinha no fim. De ter encontrado o posto da SET e do STPS no final e saber q já o ponto de ônibus deveria estar perto dali. Gostei de não ter ido pra ficar e de não ter que ficar até o fim. De estar sozinha, de ver que existem tantos humanos, que alguns eu gosto de ver como são, enfim. Gostei de ver o mar do lado direito, de ter visto de dentro que não é tão violento. Gostei de ver o riso, gostei de ter sido por engano, por acaso, no susto. Andei sorrindo quase todo o trajeto, como passista que ganhou na última hora a fantasia... Gostei porque não esperava, mas estava feliz. As coisas estava se resolvendo, era festa, era verão, era carnaval na minha terra...
Gostei tanto que certamente se não estiver trabalhando nesta data ano seguinte, quero ir com todos, no sentido certo da alegria...

Gostei de ver de perto. Gostei de mim.


Snow... É bom!

4 comentários:

Milton disse...

Você observava as pessoas na festa (não sei direito se é festa, é q também tenho problema para enxergar fora do espelho), na hora e lugar que as coisas aconteciam, mas você também ia sendo observada, em outro tempo e espaço, por alguém que ia percorrendo com o olhar de um ponto a outro do texto... lindo.

Enzo de Marco disse...

PARABENS SUELI MUITO BEM DESCRITO ESSA NARRATIVA, ADOREI ESSA VISÃO MEIO QUE SENDO DESVIRGINADA NA FOLIA KAKKA
MUIRTO

Snow disse...

A sutileza é a mais elegante das fantasias.

Felipe Rosa disse...

Isso é tão eu. Não meus escritos. Eu-na-vida, não eu-escrevinhador.