sexta-feira, novembro 03, 2006

Letreiro Luminoso - (21/06/06)

Letreiro Luminoso


Motel barato, tudo colorido, piscando.
Em resposta à campainha tocada, o atendente, nada discreto, grita do alto da escada:
“É LUXO OU SUPER LUXO?”
“Luxo” – responde a voz grave lá de baixo.
“É, pra gente f!, motel tem q ser luxo mesmo!” – pensa a voz aguda em baixo, muda.
“Então o senhor sobe aí e aguarda na recepção q ta limpando.”
“ O senhor! O senhor! Será q ele não viu q existem duas pessoas e q o referido senhor não ousaria subir sem a moça!” – resmunga a voz aguda em pensamento.
Os dois se olham com uma cara de “ô”, entram, sentam-se num sofá e tentam não prestar muita atenção à decoração, ao atendente, nem ousam se olhar ou trocar palavras.
“304. A chave ta na porta. Vocês vão querer uma ou duas horas?”
“Duas.”- resposta da voz grave.
“Ufa” – pensamento da aguda.
Passada a primeira batalha com o atendente, o quarto:
Verificar se o chuveiro tem água quente, a acústica do ambiente, se tem sabonete e papel higiênico no recinto...
E tudo isso enquanto a tv, o controle-remoto, o ar-condicionado, o rádio e todos os botões estão, sendo testados, simultaneamente.
“Preservativos, por favor. Três.”
“O interfone está funcionando também.”- pensa a aguda, no chuveiro.
Agora a voz aguda se limita a pensar em linguagem do q não pode ser representado verbalmente. Era algo sobre o comportamento das vozes graves da cena frente a questões tão “práticas” e de como esse comportamento tem um ponto de contato com o dos vendedores em feiras livres:
“O senhor vai querer a dúzia ou só serve o cacho?”
“Deveria existir um curso pra atendente de motel! Nossa, eles deveriam ter em mente q estão lidando com um produto frágil, q não pode ser empilhado. Um produto completamente subjetivo, q tem um lado q deve ficar para cima, na maioria das vezes. Um produto relativo, denso, existencial e qse totalmente abstrato...!” - a voz aguda irrita-se com seus pensamentos. Pensa q agora não é a melhor hora pra te-los, até pq, chegados os preservativos, terá ainda q verificar a marca, ver se é confiável e, se não for, alguém terá q descer pra ir comprar...
“ E o horário! Meus Deus, será q vai dar?! Dá, sempre dá. Tentar relaxar um pouco enquanto fecha os olhos...”
“Peeeeehhhhhhhh!!!!!!!!!!!!”
“Susto da porra! A buzina q indica q o pedido ta na caixa do quarto ta muito alta essa desgraça! Matar o cão! Eles deveriam baixar esse caralho!” – indigna-se a voz aguda em pensamentos qse altos.
Mas os seus pensamentos vão novamente ficando cada vez mais baixos... Misturam-se pouco a pouco ao silencio, e tb ao barulho do q se faz na tv, aos gemidos do quarto ao lado, aos sons do salto do sapato do atendente ao descer as escadas ( q dá a impressão de estar com pressa, ou com raiva), ao pagodão da estação do outro quarto, à chuva q dá pra ouvir na vidraça... a chva q cai lá fora, ah queira Deus, tomara! Quem dera essa chuva caia toda na cabeça desse atendente qnd ele tiver q atender o próximo cliente!
Atendente maldito dos infernos! Ah, condenado!

Snow


P.S.: Texto retirado do meu futuro livro intitulado “Crônicas de Motel, uma coletânea de diversos autores”, o único q deve vender como água.

3 comentários:

Snow disse...

"“Preservativos, por favor. Três.” Adorei."
- Peteleco
- 24/06/2006 14:21:11

Snow disse...

"éco. terrível. e deus me livre..."
- FeLiPe
- 01/07/2006 20:31:26

Snow disse...

"Ah, Lipe, pra vc eu mando um exemplar do livro. De cortesia. Bjs"
- snow
- 02/07/2006 21:02:50